Texto publicado em: FNDC
29/03/2011 |
Luis Nassif*
Observatório da Imprensa
A pesquisa da CDN sobre os hábitos de leituras dos executivos brasileiros consolida percepções já antigas sobre o tema. Considere-se que os executivos eram o público preferencial dos jornais, provavelmente os mais habituados às colunas dos jornais – daí, talvez, a preferência por blogs. Considere-se também que, pela pesquisa, continuam sendo majoritariamente leitores de jornais.
A pesquisa comprova algumas análises que já publiquei aqui e acrescenta ingredientes novos à discussão midiática. Tempos atrás escrevi que, dos grupos da velha mídia, sobreviveriam as Organizações Globo e a Folha, através da UOL; que o Estadão era um grupo à venda; e que a Abril não conseguiria se colocar nesse novo mundo virtual. Como a blogosfera é um universo múltiplo, distribuído, obviamente não dá para tratar da mesma maneira que um portal ou um jornal. É um grande bolo, mas dividido por milhares de blogs. E muitos desses blogs estão ancorados em portais jornalísticos.
Abril perdeu o barco lá atrás
Na pesquisa, alguns pontos chamam a atenção:
1. O predomínio dos portais variados sobre os portais exclusivamente jornalísticos. UOL (42%) e Terra (36%) se destacam, vindo, a seguir, o iG (19%), acima do G1 (17%), mesmo este contando com o aparato de vídeo das Organizações Globo. Até a era Caio Túlio, o iG encostava no Terra na disputa pelo segundo lugar, mas por audiência total. Como a pesquisa, agora, é com executivos atrás de notícias, não sei se reflete a audiência total dos portais.
2. A pesquisa consagra a visão pioneira de Luiz Frias, quando convenceu o pai a apostar na UOL. A consolidação se deu em cima de uma série de operações habilidosas, da compra da parte da Abril à associação com a Portugal Telecom, a maneira como resolveu seus problemas com o ICMS paulista e a operação de IPO conduzida pelo Banco Pactual, o desenvolvimento de tecnologia própria. Em meio ao terremoto da última década, manteve o barco à tona e consolidou a posição de liderança. Ele e Rodrigo Mesquita, do Estadão, são os herdeiros que melhor entenderam os novos tempos.
3. Um capítulo curioso é o caso Nizan Guanaes. Quando lançou o iG, escrevi algumas vezes que o modelo de negócios (em cima da internet gratuita) não se sustentaria porque baseado em uma distorção – o pagamento pelas teles aos portais que redirecionassem o tráfego para elas. De fato, não se sustentou. Mas Nizan estava certo em apostar em um modelo que dependesse de publicidade. Acontece que o iG surgiu muito antes da publicidade chegar maciçamente à internet. Foi salvo por manobras envolvendo controladores e sócios, mas se consolidou no terceiro lugar. Roberto Campos tinha uma maneira de definir erros estratégicos: quando se começa muito depois ou quando se começa muito antes. Nizan viu. O problema é que foi muito antes.
4. Chama atenção a total inexpressividade do Portal do Estadão – que não aparece sequer na pesquisa. Já a Agência Estado, tem a leitura de apenas 2% dos executivos, justamente seu público-alvo. O grupo jogou tudo no portal. É dos mais completos, com melhor conteúdo. Mas perdeu-se provavelmente na organização do conteúdo, que acabou reproduzindo, em um espaço que deveria ser organizado e hierarquizado, a própria desorganização e horizontalização da internet. Sequer há separações claras sobre a ordem cronológica de entrada das notícias no portal. Não há uma porta de entrada simplificada, que permita visualizar todo o conteúdo. A própria versão online da Folha impressa, simplesinha, sem nenhuma firula, permite com dois cliques saber de todo conteúdo do jornal. No Estadão, é impossível.
5. Apesar do pesado investimento no seu portal, Veja sequer aparece com 1% de indicações. A Abril perdeu o barco lá atrás, quando se desfez da BOL e, depois, da TVA. Está fora do jogo.
6. Com pouco tempo no ar, o R7 – embora ainda em pequenos 3% – suplantou a Agência Estado junto ao público-alvo da Agência.
7. Embora o jornal tenha passado por uma crise que quase liquidou com sua circulação, o site de O Dia ainda tem 2% de audiência dos executivos. Aliás, foi dos pioneiros, com alta qualidade inicial. Infelizmente, a morte do Ary Carvalho interrompeu o planejamento para dar o upgrade ao jornal.
O caso Estadão
É curiosa a saga do Estadão.
Quando começou a era da informação online, foi dos primeiros a entender os novos tempos. Está certo que à custa do pioneiro Dinheiro Vivo, que foi a primeira empresa a lançar serviços online. Na época, Rodrigo Mesquita convenceu a família a comprar o sistema de transmissão da Broadcast e contratou praticamente toda a minha equipe. Depois disso, fez um trabalho de gente grande na consolidação da Agência. Quando sobreveio a crise do grupo, as disputas internas acabaram levando de roldão todos os membros da família que trabalhavam na empresa. E com isso o grupo perdeu sua cabeça estratégica.
Como o único setor dinâmico do grupo era a Agência, na impossibilidade de manter Rodrigo o Conselho decidiu promover seu segundo homem, Sandro Vaia. Só que Sandro tinha funções operacionais. Nunca foi estrategista dos novos tempos, nem chefe de redação dos velhos tempos. Depois, resolveu trazer alguém de fora, Ricardo Gandour, com carreira bem sucedida no Publifolha. Em vez de colocá-lo para tocar novos negócios, como um publisher clássico, conferiu-se a ele a direção de conteúdo de todo o grupo. E seu perfil não é de jornalista de redação.
Com isso, o jornal entrou na fase de maior ebulição da mídia brasileira, com o terremoto editorial acabando com a estratificação de leitura, sem um desenho claro de conteúdo. A linha política foi mantida pela tradição da família Mesquita e da marca Estadão. Mas Gandour trouxe para dentro do jornal o vezo da Opus Dei (essa informação é de colegas ligados à própria família Mesquita, não de críticos do jornal), de instrumentalizar a cobertura. Manipulou manchetes, criou falsos escândalos, repercutiu as maluquices da Veja, cometeu ataques contra colegas e entrou no pool de mídia que se formou a partir de 2005. E, com isso, perdeu a oportunidade de firmar o jornal como alternativa de informação objetiva – embora ainda seja jornalisticamente o mais sólido dos veículos da velha mídia.
Agora, o Estadão está no seguinte dilema.
O jornalão está zero a zero – não gera mais lucros para financiar as novas plataformas; a rádio é superavitária, mas de pequena expressão (embora o movimento de associação à ESPN seja promissor); e a Agência Estado continua sendo a parte mais rentável.
Mas a grande aposta, o portal, não vingou.
*em seu blog (23/03/2011).
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